O inglês morreu, viva o globish!
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O inglês morreu, viva o globish!



Com um vocabulário de 1500 palavras, o "globish" ou "inglês descafeinado" tornou-se a lingua franca do mundo. O autor Robert McCrum traça o mapa deste novo dialecto do século XXI.


02 abril 2010 | The Guardian Londres
Nova Deli, 10 de Julho de 2005. Muçulmanos protestam contra os atentados terroristas de 7 de Julho em Londres

Nova Deli, 10 de Julho de 2005. Muçulmanos protestam contra os atentados terroristas de 7 de Julho em Londres
AFP



Com um vocabulário de 1500 palavras, o "globish" ou "inglês descafeinado" tornou-se a lingua franca do mundo. O autor Robert McCrum traça o mapa deste novo dialecto do século XXI.
Robert McCrum

O que é o globish [ou deveríamos antes dizer "globês"]? Para mim, tudo começou em 2005, quando o jornal dinamarquês Jyllands Posten publicou uma série de caricaturas de Maomé, o que provocou motins em que morreram 139 pessoas. A reacção mais bizarra a esta questão talvez tenha sido o protesto organizado por fundamentalistas muçulmanos, diante da embaixada dinamarquesa em Londres. Os manifestantes gritavam em inglês e empunhavam cartazes com divisas como "Vikings, beware!" [cuidado, Vikings!], "Butcher those who mock Islam" [esquartejai aqueles que zombam do Islão] e "Down with free speech" [abaixo a liberdade de expressão].

Este choque do Corão com os Monty Python foi a exteriorização de uma mudança radical do estilo expressivo num mundo unido pela Internet. Poderia haver uma ilustração da anglicização do mundo moderno mais surreal do que a manifestação dos muçulmanos, em Londres ? que exploraram a velha liberdade inglesa, e a expressaram na língua inglesa, para exigir a restrição da tradição do livre arbítrio que, na realidade, legitimava o seu protesto?

Impõe-se uma terceira foraç ne troisième force linguistique qui s'impose

Depois, em 2007, o presidente reformado da IBM, o francófono Jean-Paul Nerrière publicou um artigo no International Herald Tribune, em que não só descrevia o inglês e a sua utilização internacional como "o dialecto universal do terceiro milénio" como lhe dava um nome. Destacado no Japão, nos anos 1990, Nerrière reparou que, nas reuniões, os executivos de outras línguas maternas tinham muito mais facilidade em comunicar em inglês com os clientes coreanos e japoneses do que os executivos britânicos ou americanos, para os quais a língua materna era o inglês. O inglês padrão era perfeito para as companhias anglófonas, mas, no resto do mundo, uma forma adaptada de "inglês descafeinado" estava a tornar-se um novo fenómeno global. Num momento de inspiração, baptizou-o de globish.

A ideia de Nerrière deoressa encontrou eco. Ben Macintyre, jornalista de The Times, contou que, quando estava à espera de um voo em Deli, ouviu uma conversa entre um soldado de manutenção da paz espanhol e um soldado indiano. "O indiano não falava espanhol e o espanhol não falava punjabi. A língua que falavam era uma versão muito simplificada do inglês, sem gramática nem estrutura, mas perfeitamente compreensível, para eles e para mim. Só então percebi que eles estavam a falar globish, a língua mais nova e mais falada em todo o mundo."

Nerrière sistematizou o globish em dois livros em francês: Découvrez le globish e Don?t Speak English, Parlez Globish. Neles nos quais apresentou um léxico globish: as 1500 palavras essenciais para a comunicação internacional e as formas de construção de frases, sem as regras da língua, em que podem expressar-se os dois mil milhões de pessoas que, em todo mundo, não aprenderam inglês em pequeninos. "O globish limitará drasticamente a influência da língua inglesa", disse mais tarde. Por outras palavras, o globish não é apenas uma lingua franca, mas uma terceira força linguística, que surge com existência própria, no começo do terceiro milénio.

O globish enquanto fenómeno libertador e modernizador

Sob o Império, o inglês britânico beneficiou de supremacia mundial ao longo de todo o século XIX. Depois, o seu poder e influência passaram para a América, no século XX. Durante a Guerra Fria, a cultura e os valores anglo-americanos passaram a fazer parte da consciência mundial, do mesmo modo que o motor de combustão. Entre 1945 e 1989, quase nenhuma negociação do mundo moderno escapou ao inglês, sob qualquer forma ? mas o seu alcance era sempre limitado pela complicada associação deste ao imperialismo britânico ou à Pax americana.

Agora, tudo isso parece ser passado. No século XXI, a língua e a cultura inglesas foram libertadas da sua herança controversa, dissociadas do trauma pós-colonial. Está em curso uma nova revolução cultural: a emergência do Inglês como a ferramenta universal de comunicação, com um ímpeto supranacional que a torna independente das suas origens anglo-americanas. O globish é a forma através da qual os indianos, os chineses e muitos africanos estão a voltar-se para o inglês como fenómeno libertador e de modernização. No ano passado, o Governo do francófono Ruanda não só se candidatou à adesão à Commonwealth britânica como declarou o inglês língua oficial do país.

Fenómenos como o Twitter, a Revolução Verde do Irão e o filme Quem quer ser bilionário podem ser encarados como parte da sociedade que fala globish. Na perspectiva da Internet, o seu aparecimento como fenómeno global de comunicação independente das suas raízes anglo-americanas é potencialmente decisivo. À medida que o Reino Unido vai ficando menos ancorado à dimensão americana da sua política e da sua cultura, o globish florescerá a nível internacional segundo os seus próprios temos. A minha previsão imprudente é de que talvez ele venha a ser o fenómeno linguístico do século XXI.



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